Estou aposentado e agora?
Regina Aparecida Gonçalves (*)
Em
um dia você está empregado, tem a sua profissão, seu local de trabalho
e uma rotina a ser cumprida. No outro você é um aposentado, tem todo o
tempo do mundo, mas e agora, o que fazer?
A
palavra aposentado deriva de aposento e um dos significados desta
palavra é “pôr de lado”, o que às vezes acontece quando a pessoa pára
de trabalhar: perde o seu lugar, é colocado de lado na sociedade.
Onde
você trabalha? O que você faz? As pessoas são vistas de acordo com a
função que exercem, o seu local de trabalho e o poder que desempenham.
Algumas vezes o local de trabalho se transforma até em sobrenome: “É o
Sr. João da empresa X”.
Desta
forma, quando aposentam perdem a referência. Na verdade aquele sujeito
ativo e produtivo, de repente perde o seu lugar e passa a ser alguém
desocupado.
Segundo
Rubem Alves (2001), o homem aposentado fica sem lugar, e talvez por
isso morra logo. Não sabe o que fazer na casa, não aprendeu a habitar
aquele espaço, pois a divisão dos espaços veio da época em que os
homens eram caçadores e as mulheres domésticas. Um homem doméstico é o
homem que perdeu a sua dignidade.
O
período em que chega a aposentadoria coincide geralmente em quando o
sujeito está mais velho (quando aposenta por tempo de serviço ou por
idade) ou doente (quando aposenta por invalidez). Num caso ou no outro
fica marcada a impressão de inutilidade seja ela por doença, por
velhice ou pelos dois.
Mesmo
para os aposentados que não são velhos, a aposentadoria chega como um
rótulo da velhice. Para alguém que dedicou toda a sua vida ao trabalho,
sem tempo ou disposição para outras atividades como estudar, viajar ou
passear, o que sobra quando perde o trabalho?
Pensando
nisso fiquei observando o Sr. José*, aposentado de 67 anos que
geralmente quando sai de casa é para fazer um favor para alguém. Tive a
impressão de que ele agora se transformara numa espécie de
“office-old”, motorista particular ou qualquer outra profissão de
servir os outros sem remuneração, afinal de contas ele não está fazendo
nada mesmo...
Um
dia tomei coragem e fui conversar com ele sobre aposentadoria. Tinha
certeza de que o Sr. José iria me contar todas as agruras de ser um
aposentado, que detestava “servir” as pessoas, sair de casa e por fim
me diria que estava deprimido.
Iniciei
minha sabatina perguntando qual o significado de estar aposentado e
(pasmem) ele me disse que estava contente porque alcançou aquilo que
todo trabalhador almeja: a aposentadoria.
Pensei
que talvez ele não tivesse entendido muito bem e perguntei do que ele
mais gostava na aposentadoria (pensando que ele diria que não gostava
de nada) e ele me respondeu que gosta do dia em que recebe, que nunca
falha e está sempre na conta.
Perguntei
então o que ele não gostava na aposentadoria e ele me disse que sente
saudades do emprego e dos colegas de trabalho. Neste momento acho que
“toquei na ferida” dele. Sr. José* sempre fora um profissional dedicado
e sempre que possível conta alguma história do seu antigo emprego e de
situações vividas com os colegas de trabalho e clientes.
Então
para quebrar um pouco o clima melancólico, comentei que existe em
algumas empresas uma preparação para a aposentadoria e ele me disse que
deveria ter sido preparado. Para dar um “up” à conversa, falei sobre
projetos de vida e o que ele pretendia fazer e ele me contou que
pretende arrumar um bico para trabalhar mais uns dois anos, descansar e
cuidar da saúde.
É
interessante que quando fiz as perguntas já estava imaginando o que
ele iria responder, mas me enganei e suas respostas foram completamente
diferentes. Quando falei sobre projetos de vida, achei que ele pudesse
falar sobre seus sonhos que agora poderiam ser realizados e, no entanto
ele me falou de trabalho...
Fiquei
pensando em como o trabalho é importante na vida dele, que poderia
aproveitar esse momento fazendo mil coisas, e mesmo assim quer voltar a
trabalhar. Então refleti que talvez quando ele “serve” as pessoas
encontra satisfação ajudando-as, sentindo-se importante.
Encerramos
a conversa, na verdade desconfiei que ele não estava mais a fim de
falar sobre este assunto. Depois fiquei pensando que talvez meu
pensamento sobre a aposentadoria fosse muito radical, até então eu só
tinha observado os aspectos negativos e após falar com o Sr. José* pude
perceber que o aposentado não é só insatisfação.
Aquela
conversa me levou a cogitar possibilidades que não tinha levantado.
Nem todo aposentado tem o “dever” de ficar triste e desolado com a
perda do seu emprego; para um sujeito que tem atividades fora do seu
emprego como a prática de esportes, trabalhos voluntários, cursos ou
tinha um sonho de trabalhar em outra área, a aposentadoria vem como um
momento propício de realizar essas atividades com mais tempo e
ranqüilidade.
Outro
diferencial para uma aposentadoria bem sucedida é planejar o que
pretende fazer quando se aposentar e a busca de entretenimento. Então
me lembrei de uma visita que fiz num Centro de Referência ao Idoso, na
qual não perguntei nada para os idosos só os observei, mas notei neles
uma vontade imensa de viver.
Eu
não sei como eram suas vidas, se foram lá por vontade própria ou por
imposição de alguém, o que importa é que estavam lá e que de um modo ou
de outro estavam se relacionando com as pessoas, criando laços
afetivos, aprendendo coisas novas e fazendo uso do tempo livre.
Para
De Mais (2000) tempo livre significa viagem, cultura, erotismo,
estética, repouso, esporte, ginástica, meditação, balançar-se numa
rede, que representa por excelência o ócio criativo, perfeita antítese
da cadeia de montagem que foi símbolo do trabalho alienado. Dar sentido
às coisas de todo dia, em geral lindas, sempre iguais e diversas, que
infelizmente ficam depreciadas pelo uso cotidiano.
No
mínimo, pode-se considerar a iniciativa que tiveram de abandonar o
comodismo do sofá e foram a um lugar que não é para eles, afinal, velho
é sempre o outro (Messy, 1999).
Após
o diálogo com o Sr. José* (Nome alterado para preservar a identidade) e
toda esta reflexão sobre a aposentadoria, percebi que como tudo na
vida, é mais feliz aquele que encara as dificuldades com otimismo do
que aqueles que só enxergam o lado ruim das situações. Como todas as
transformações que acontecem na velhice, a aposentadoria é mais uma em
que o sujeito poderá dar passos para o futuro e aproveitar o tempo
livre ou passar esse tempo esperando a morte chegar: é só uma questão
de escolha.
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