sábado, 18 de agosto de 2012

APOSENTADORIA

Estou aposentado e agora?

Regina Aparecida Gonçalves (*)

Em um dia você está empregado, tem a sua profissão, seu local de trabalho e uma rotina a ser cumprida. No outro você é um aposentado, tem todo o tempo do mundo, mas e agora, o que fazer?

A palavra aposentado deriva de aposento e um dos significados desta palavra é “pôr de lado”, o que às vezes acontece quando a pessoa pára de trabalhar: perde o seu lugar, é colocado de lado na sociedade.

Onde você trabalha? O que você faz? As pessoas são vistas de acordo com a função que exercem, o seu local de trabalho e o poder que desempenham. Algumas vezes o local de trabalho se transforma até em sobrenome: “É o Sr. João da empresa X”.

Desta forma, quando aposentam perdem a referência. Na verdade aquele sujeito ativo e produtivo, de repente perde o seu lugar e passa a ser alguém desocupado.

Segundo Rubem Alves (2001), o homem aposentado fica sem lugar, e talvez por isso morra logo. Não sabe o que fazer na casa, não aprendeu a habitar aquele espaço, pois a divisão dos espaços veio da época em que os homens eram caçadores e as mulheres domésticas. Um homem doméstico é o homem que perdeu a sua dignidade.

O período em que chega a aposentadoria coincide geralmente em quando o sujeito está mais velho (quando aposenta por tempo de serviço ou por idade) ou doente (quando aposenta por invalidez). Num caso ou no outro fica marcada a impressão de inutilidade seja ela por doença, por velhice ou pelos dois.

Mesmo para os aposentados que não são velhos, a aposentadoria chega como um rótulo da velhice. Para alguém que dedicou toda a sua vida ao trabalho, sem tempo ou disposição para outras atividades como estudar, viajar ou passear, o que sobra quando perde o trabalho?

Pensando nisso fiquei observando o Sr. José*, aposentado de 67 anos que geralmente quando sai de casa é para fazer um favor para alguém. Tive a impressão de que ele agora se transformara numa espécie de “office-old”,  motorista particular ou qualquer outra profissão de servir os outros sem remuneração, afinal de contas ele não está fazendo nada mesmo...

Um dia tomei coragem e fui conversar com ele sobre aposentadoria. Tinha certeza de que o Sr. José iria me contar todas as agruras de ser um aposentado, que detestava “servir” as pessoas, sair de casa e por fim me diria que estava deprimido.

Iniciei minha sabatina perguntando qual o significado de estar aposentado e (pasmem) ele me disse que estava contente porque alcançou aquilo que todo trabalhador almeja: a aposentadoria.

Pensei que talvez ele não tivesse entendido muito bem e perguntei do que ele mais gostava na aposentadoria (pensando que ele diria que não gostava de nada) e ele me respondeu que gosta do dia em que recebe, que nunca falha e está sempre na conta.

Perguntei então o que ele não gostava na aposentadoria e ele me disse que sente saudades do emprego e dos colegas de trabalho. Neste momento acho que “toquei na ferida” dele. Sr. José* sempre fora um profissional dedicado e sempre que possível conta alguma história do seu antigo emprego e de situações vividas com os colegas de trabalho e clientes.

Então para quebrar um pouco o clima melancólico, comentei que existe em algumas empresas uma preparação para a aposentadoria e ele me disse que deveria ter sido preparado. Para dar um “up” à conversa, falei sobre projetos de vida e o que ele pretendia fazer e ele me contou que pretende arrumar um bico para trabalhar mais uns dois anos, descansar e cuidar da saúde.

É interessante que quando fiz as perguntas já estava imaginando o que ele iria responder, mas me enganei e suas respostas foram completamente diferentes. Quando falei sobre projetos de vida, achei que ele pudesse falar sobre seus sonhos que agora poderiam ser realizados e, no entanto ele me falou de trabalho...

Fiquei pensando em como o trabalho é importante na vida dele, que poderia aproveitar esse momento fazendo mil coisas, e mesmo assim quer voltar a trabalhar. Então refleti que talvez quando ele “serve” as pessoas encontra satisfação ajudando-as, sentindo-se importante.

Encerramos a conversa, na verdade desconfiei que ele não estava mais a fim de falar sobre este assunto. Depois fiquei pensando que talvez meu pensamento sobre a aposentadoria fosse muito radical, até então eu só tinha observado os aspectos negativos e após falar com o Sr. José* pude perceber que o aposentado não é só insatisfação.

Aquela conversa me levou a cogitar possibilidades que não tinha levantado. Nem todo aposentado tem o “dever” de ficar triste e desolado com a perda do seu emprego; para um sujeito que tem atividades fora do seu emprego como a prática de esportes, trabalhos voluntários, cursos ou tinha um sonho de trabalhar em outra área, a aposentadoria vem como um momento propício de realizar essas atividades com mais tempo e ranqüilidade.

Outro diferencial para uma aposentadoria bem sucedida é planejar o que pretende fazer quando se aposentar e a busca de entretenimento. Então me lembrei de uma visita que fiz num Centro de Referência ao Idoso, na qual não perguntei nada para os idosos só os observei, mas notei neles uma vontade imensa de viver.

Eu não sei como eram suas vidas, se foram lá por vontade própria ou por imposição de alguém, o que importa é que estavam lá e que de um modo ou de outro estavam se relacionando com as pessoas, criando laços afetivos, aprendendo coisas novas e fazendo uso do tempo livre.

Para De Mais (2000) tempo livre significa viagem, cultura, erotismo, estética, repouso, esporte, ginástica, meditação, balançar-se numa rede, que representa por excelência o ócio criativo, perfeita antítese da cadeia de montagem que foi símbolo do trabalho alienado. Dar sentido às coisas de todo dia, em geral lindas, sempre iguais e diversas,  que infelizmente ficam depreciadas pelo uso cotidiano. 

No mínimo, pode-se considerar a iniciativa que tiveram de abandonar o comodismo do sofá e foram a um lugar que não é para eles, afinal, velho é sempre o outro (Messy, 1999).  

Após o diálogo com o Sr. José* (Nome alterado para preservar a identidade) e toda esta reflexão sobre a aposentadoria, percebi que como tudo na vida, é mais feliz aquele que encara as dificuldades com otimismo do que aqueles que só enxergam o lado ruim das situações. Como todas as transformações que acontecem na velhice, a aposentadoria é mais uma em que o sujeito poderá dar passos para o futuro e aproveitar o tempo livre ou passar esse tempo esperando a morte chegar: é só uma questão de escolha.

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